O filme “L’Enfant Sauvage d’Averyon” (O Menino
Selvagem de Averyon), de Fraçois Truffaut, baseado num caso verídico, relata a
história de uma criança de onze ou doze anos que foi capturada num bosque,
tendo vivido afastado da sua espécie e ficando depois à guarda do Dr. Jean
Itard.Embora se pense que o menino selvagem tenha sido abandonado no bosque
quando tinha quatro ou cinco anos, altura em que já deveria dispor de algumas
ideias e palavras, em consequência do começo da sua educação, tudo isso se lhe
apagou da memória devido a cerca de sete anos de isolamento. Quando foi
capturado, andava como um quadrúpede, tinha hábitos anti-sociais, órgãos pouco
flexíveis e a sensibilidade embotada, não falava, não se interessava por nada e
a sua face não mostrava qualquer tipo de sensibilidade. Toda a sua existência
se resumia a uma vida puramente animal.
Assim, o seu isolamento passado
condicionou a sua aprendizagem futura que, além do mais, deveria ter sido
realizada durante a sua infância (época em que o seu cérebro apresentaria mais
plasticidade, existindo uma facilidade de aprendizagem, socialização e
interiorização dos comportamentos característicos da sua cultura). Desta forma,
o menino selvagem não só tinha que lutar contra o seu passado como contra a
idade avançada para uma aprendizagem, muito provavelmente, sua desconhecida,
sendo esta a razão porque, segundo Itard, “para ser julgado racionalmente,
(o menino selvagem de Averyon) só pode ser comparado a ele próprio”.
Segundo a tese de Lucien Malson, que
escreveu “Les enfant sauvages” (As crianças selvagens), relatando e
analisando não só este caso mas também outros casos de isolamento, o Homem é
inferior a grande número de animais no seu estado de natureza. O autor defende
que os animais, com o seu sistema nervoso rudimentar, não necessitam de viver
com a sua espécie para realizar as acções características da mesma, não
carecendo de ensinamentos devido aos seus instintos já desenvolvidos à
nascença. Lançado no globo sem forças físicas e sem ideias inatas, incapaz de
obedecer por si só às leis constitucionais da sua organização, o Homem só pode
encontrar no seio da sociedade a posição eminente que a natureza lhe assinalou
e, sem a civilização, seria, como já referi, um dos mais fracos já que, de
todos os seres vivos o Homem é o que na ocasião do nascimento se mostra mais
incapaz, condição necessária para os seus progressos ulteriores, e a ideia de
instintos que se desenvolvem por si só não corresponde à realidade humana.
Nasce inacabado e depende de uma sociedade, de uma cultura. Segundo Itard, “o
indivíduo, privado das faculdades características da sua espécie, arrasta
miseravelmente, sem inteligência nem afeições, uma vida precária e reduzida às
funções de animalidade”. Assim, a superioridade moral, que muitos
consideram ser natural nos seres humanos, não é mais do que um resultado da
civilização, que contribui para a sua formação. Existe então, uma força
imitativa destinada não só à educação dos órgãos como à aprendizagem da
palavra, que é muito activa nos primeiros anos de vida, mas enfraquece
rapidamente com o avançar da idade, com o isolamento e com todas as outras
causas relacionadas com a sensibilidade nervosa.
Com a tentativa de integração do
menino selvagem na sociedade, este, que anteriormente não estava “preso” por
normas e deveres morais, perdeu o poder de escolher, pois, por sua vontade,
voltaria para o bosque, razão pela qual tentou fugir inicialmente. Por outro
lado, conseguiu, pouco a pouco, impor-se face à Natureza, ao instinto,
adquirindo cultura e atingindo outra forma de liberdade, que concorre para a
formação do Homem. Note-se que uma das maiores dicotomias é cultura e natureza,
percebendo-se, com o exemplo do caso do menino selvagem, o porquê desta
oposição.
Ainda que a liberdade seja um factor que está subjacente às acções especificamente humanas, podemos concluir, tendo em conta todo este caso, que existem de facto condicionantes da acção humana. Em primeiro lugar, o menino selvagem, não obstante viver numa floresta, não tinha as mesmas capacidades físicas de outros animais, ou seja, os factores biológicos também afectaram as suas acções enquanto selvagem. Em segundo lugar, surgem os factores intelectuais, pelo facto do menino não ter competências nesse sentido, o que dificultou as suas acções na sua vivência em sociedade. Por exemplo, quando o médico Itard tentou transmitir algum conhecimento no âmbito das letras, aconteceram, por vezes, ataques de fúria, pelo facto destas serem muito abstractas e, consequentemente, mais difícil foi a sua aprendizagem neste campo (neste contexto, alguns especialistas defenderem que o médico procedeu mal ao incluir letras, por serem demasiado abstractas, na educação do menino).
Ainda que a liberdade seja um factor que está subjacente às acções especificamente humanas, podemos concluir, tendo em conta todo este caso, que existem de facto condicionantes da acção humana. Em primeiro lugar, o menino selvagem, não obstante viver numa floresta, não tinha as mesmas capacidades físicas de outros animais, ou seja, os factores biológicos também afectaram as suas acções enquanto selvagem. Em segundo lugar, surgem os factores intelectuais, pelo facto do menino não ter competências nesse sentido, o que dificultou as suas acções na sua vivência em sociedade. Por exemplo, quando o médico Itard tentou transmitir algum conhecimento no âmbito das letras, aconteceram, por vezes, ataques de fúria, pelo facto destas serem muito abstractas e, consequentemente, mais difícil foi a sua aprendizagem neste campo (neste contexto, alguns especialistas defenderem que o médico procedeu mal ao incluir letras, por serem demasiado abstractas, na educação do menino).
Aprendeu também a desenvolver
afectividade, o que foi considerado um grande progresso. Tornou-se sensível às
temperaturas extremas, espirrou pela primeira vez assim como chorou. À medida
que esta afectividade se foi desenvolvendo entre o menino e o Dr. Itard ou a
Mme. Guérin, a aprendizagem vai-se tornando mais fácil (note-se que os factores
psicológicos são bastante influenciáveis). Por último, como já foi referido, os
factores sócio-culturais também influenciam as nossas acções pois, ao estarmos
inseridos numa sociedade, as nossas acções e comportamentos são influenciados
por ela, como se verificou com a socialização do menino selvagem, que teve de
se sujeitar a regras e a deveres morais.
Torna-se também importante salientar
que, no século XIX dominava a ideia de que uma criança nasce naturalmente
preparada para a vida, salvo nos casos de deterioração biológica, tendo a
sociedade em geral considerado o menino selvagem um destes casos, incluindo
Pinel, um célebre psiquiatra da época. Não se pode, portanto, deixar de falar
numa espécie de “racismo” pois, embora de início lhe tivesse sido dada uma
certa importância, rapidamente fora esquecido e considerado um idiota.
Embora o menino selvagem de Averyon,
a quem Itard deu o nome de Victor por se mostrar “sensível” ao som “ô”,
tivesse conseguido evoluir, só podemos considerar essa evolução como grande se
tivermos em conta o seu estado inicial. Victor conseguiu pronunciar a palavra “lait”
(leite) e até mesmo escrevê-la, mas não foi dada muita importância a esta
aprendizagem uma vez que não era utilizada para mostrar uma necessidade, mas
sim uma espécie de exercício preliminar, que precedia espontaneamente à
satisfação dos seus apetites. Através da análise da conduta do menino selvagem
pode-se dizer que:
-
devido à fraca sensibilidade do sistema auditivo, a sua educação ficou
incompleta;
- todo
o seu desenvolvimento foi lento e trabalhoso;
-
apesar do seu gosto pela liberdade dos campos e da sua indiferença pela maior
parte das vantagens da vida social, mostrou-se reconhecido pelo cuidados que
lhe prestavam: gostava quando fazia as coisas bem, envergonhava-se com os seus
erros e arrependia-se das suas irritações;
-
existe, também nas crianças selvagens, uma relação constante entre ideias e
necessidades, ou seja, “todas as causas acidentais, locais ou politicas
tendentes a aumentar ou diminuir o número das nossas necessidades, contribuem
necessariamente para alargar ou diminuir o âmbito dos nossos conhecimentos”
(Itard).
Por fim, podemos concluir que o Homem,
lançado na Terra, sem forças físicas nem ideias inatas, tanto na selva como na
mais civilizada das sociedades, será apenas aquilo que dele fizerem. Segundo
Jaspers (filósofo alemão), “são as nossas aquisições, as nossas imitações e
a nossa educação que nos transformam em homens do ponto de vista psíquico”.
O comportamento humano é uma conquista feita em consequência do processo da sua
integração no meio cultural, que varia em função da sociedade a que pertence. O
que nos torna reconhecidamente humanos depende de muito mais do que a nossa
herança genética e biológica: é fundamental ter em conta as dimensões social e
cultural para que possamos compreender os seres humanos e a forma como se
comportam. Tornamo-nos humanos através da aprendizagem de formas partilhadas e
reconhecíveis de ser e de nos comportarmos. O Homem deve à cultura a capacidade
de ultrapassar os seus instintos, tendo, desta forma, o poder de optar,
escolher qual o caminho que considera melhor, segundo os valores em que se
apoia, depois de analisar, racionalmente, a realidade. É portanto necessário “admitir
que os homens não são homens fora do ambiente social” (Lucien Malson) e que
necessitam, mais do que os outros animais, da vivência junto da espécie
fonte: http://www.crescimentoesabedoria.com.br/products.php?product=O-MENINO-SELVAGEM-DE-AVEYRON-
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